top of page

Esta é a primeira edição do Congresso de Estética e Teoria Crítica, que tem como tema “Indústria Cultural e Crise”. O evento ocorrerá entre os dias 12 e 14 de novembro de 2018, no Museu Rondon e no Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Mato Grosso.

​

Organização: 
Adriano Kurle (Professor do Departamento de Filosofia da UFMT)
Mario Spezzapria (Professor do Departamento de Filosofia da UFMT)
Carlos Eduardo de Paiva (Professor do Departamento de Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Mato Grosso)

Promovido pelo PPG em Filosofia, PPG em Sociologia e Departamento de Sociologia da UFMT.

​

Conferencistas:

Rodrigo Duarte (UFMG)
Alexandre Botton (UNEMAT)
Sara Pozzer (UFMT)
José Adriano Fenerik (UNESP- Franca)
Daniela Vieira Santos (UNICAMP)
Mario Spezzapria (UFMT)
Daniel Fanta (UFMT)

Ney Arruda (UFMT)
Verlaine Freitas (UFMG)

​

Comitê Científico:

Vinicius Oliveira Sanfelice (UNICAMP)
Jeverton Soares Dos Santos (PUCRS)
Daniela Vieira Dos Santos (UNICAMP)
Elton Rogerio Corbanezi (UFMT)
Sara Juliana Pozzer Da Silveira (UFMT)
Mario Spezzapria (UFMT)
Guilherme Michelotto Boes (PUCRS)
Manuela Sampaio De Mattos (PUCRS)
Robson Da Rosa Almeida (PUCRS)

​

Descrição teórica:

​

O conceito de indústria cultural, formulado nos anos 1940 por Theodor Adorno e Horkheimer, mantém sua vitalidade e atualidade. Desde a sua criação, quando buscava abarcar o processo de dominação sistêmica empreendido por Hollywood, até os dias de hoje, onde observa-se a expansão das redes sociais com seus algoritmos, o termo mantém sua força analítica para compreensão do processo de mercantilização da cultura, alienação e estruturas de dominação que alcançam os níveis mais subjetivos da experiência humana.

Segundo esses autores, a indústria cultural surge como consequência do capitalismo e do fetichismo da mercadoria. Ela industrializa (através dos novos meios tecnológicos e da nova lógica de produção) a cultura, transformando-a em mercadoria . A arte se torna objeto de comércio do entretenimento e da propaganda. Com isso, amplia-se o acesso das massas à arte, mas, por outro lado, limita-se toda a comercialização cultural a produtos que se adéquam ao padrão comercial da indústria cultural. Por contrapartida, a tendência de condicionamento da produção estética acaba por condicionar o gosto e o juízo estético, que em certo ponto encontram-se totalmente anulados pelo hábito da repetição e pela sensação de distração (que coloca o espectador em posição não reflexiva) da arte como entretenimento.

​

O presente congresso discutirá principalmente a atualidade da indústria cultural e sua relação com manifestações do pensamento neoconservador e neofascista, abarcando diferentes esferas do conceito, atentando para os aspectos econômicos, estéticos e ideológicos da indústria cultural na contemporaneidade.

​

Conectado com o conceito de fetiche e de indústria cultural, temos o conceito de reificação, trabalhado por Lukács e Adorno/Horkheimer. Este conceito envolve a coisificação do indivíduo, em uma relação onde objeto e sujeito são invertidos, tornando-se assim o sujeito (o “espectador”) em coisa a ser modificada e manipulada pelo objeto (a propaganda, o filme, o meme). Com a revolução informacional no século XXI e o desenvolvimento das redes sociais, a relação entre o público e a ferramenta midiática muda: agora é possível uma maior interação. Mediante o Twitter, blogs ou Facebook, é possível que qualquer indivíduo com acesso à internet compartilhe seus produtos culturais favoritos, divulgue suas próprias opiniões, compartilhe notícias ou memes, demonstrando suas posições e preferências. Diante destas novas possibilidades, a reificação toma uma nova formulação. Se antes podíamos pensar que um espectador televisivo era totalmente passivo diante do evento, a situação nas redes sociais parece não permitir chegarmos à mesma conclusão. O conceito de reificação, porém, é muito mais complexo. Até que ponto um reprodutor de notícias, piadas e memes é autônomo?

​

Neste ponto, a relação com o o neoconservadorismo e a reação à crise está ligada a uma nova espécie de reificação: o sujeito virtual robótico. Mediante falsos perfis, automatizados por computador, surge a influência de pseudo-sujeitos, que por sua vez são influentes no momento que tem suas opiniões reproduzidas ou aplaudidas por sujeitos reais. Neste ponto podemos pensar na inversão tratada pelo conceito de reificação: o robô é sujeito, o homem é objeto. Com esta técnica, assim como com a massificação de informações e opiniões via mídia e indústria cultural, associado com crises econômicas e políticas, a política recente viu crescer um novo conservadorismo a nível global.

Em uma época que a categoria de personality, da Indústria Cultural, invade a política, elegendo presidentes e prefeitos, é extremamente pertinente o que Adorno e Horkheimer nos dizem na Dialética do Esclarecimento:

​

"As mais íntimas reações das pessoas estão tão completamente reificadas para elas próprias que a ideia de algo peculiar a elas só perdura na mais extrema abstração: personality significa para elas pouco mais do que possuir dentes deslumbrantemente brancos e estar livres do suor nas axilas e das emoções. Eis aí o triunfo da publicidade na indústria cultural, a mimese compulsiva dos consumidores, pela qual se identificam às mercadorias culturais que eles, ao mesmo tempo, decifram muito bem." (ADORNO, T. W .; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985, p. 156)

​

O entretenimento da Indústria Cultura se torna, por fim, padrão de pensamento político: mesmo o humor ou a falta de seriedade são suficientes para adesão a visões políticas ou apoio a candidatos. A caricatura torna-se modelo de caráter político: desde o palhaço, o self made man, até o herói militar (salvador da pátria, como um Rambo presidente), designando um traço importante da chamada Alt-Right (nova direita), isto é, a política como projeção virtual de ódio e deboche. Se um dia o filme imita a vida, no outro a vida imita o filme.

Na chamada era da globalização ou das sociedades de rede, a Indústria Cultural ganha novas formas de sistematização, tornando-se ainda mais vigorosa. Se no século XX a dominação ideológica se perpetuava pelas ondas do rádio, cinemas e televisão, na contemporaneidade a indústria cultural se entrelaça com a chamada revolução informacional, difundindo os processos de dominação via redes sociais, fortalecendo ainda mais o controle. Seja na internet ou na televisão, a lógica essencial da Indústria Cultural permanece, denunciada nas seguintes palavras de Gyorgy Markus:

​

"Os fragmentados, estereotipados e repetitivos produtos da cultura de massa atualmente pré-programam a sua forma de recepção, transformando-se em um ‘sistema de mecanismos de resposta’. Neste sentido, a indústria cultural como psicotecnologia tem mais alcance nos seus efeitos do que a mera perpetuação da sua existência. Ela impõe aos indivíduos padrões homogêneos e simplificados de percepção da realidade, não tanto pela mensagem ideologicamente dissimulada que ela geralmente transmite, mas através de seu impacto destrutivo: a sistemática atrofia da capacidade espontânea da imaginação e reflexão, a que a arte dava livre terreno para o exercício, independente das condições de civilização." (MARKUS, Gyorgy. Adorno and mass culture: autonomous art against the culture industry. In: Thesis Eleven Aug 2006, Issue 86, p. 75)

​

A expansão da razão instrumental, cuja lógica imanente da administração está no próprio cerne do desenvolvimento capitalista, agora pode lançar mão de algoritmos, tornando os indivíduos administrados ainda mais atomizados. Dentro das bolhas das redes sociais o neoconservadorismo parece se expandir. Mais do que termos da moda fake news e pós-verdade, representam a banalização da verdade.

A Indústria Cultural em tempos de redes sociais parece criar laços de sociabilidade onde indivíduos retroalimentam seus ódios e preconceitos em um espaço que, embora tenha sido definido como uma nova ágora, tem se mostrado pouco profícuo para disseminação da razão pública por meio do debate qualificado. Ao invés da criação de consensos ou mesmo administração dos conflitos observa-se a proliferação de discursos de ódio e intolerância, acompanhados de uma fragmentação que impossibilita qualquer projeto coletivo.

O indivíduo comum que se entrega totalmente aos ditames da indústria cultural desenvolve também traços sadomasoquistas. Estas pessoas, presas em um sistema cultural massificado, costumam apresentar um forte potencial de adesão à projetos políticos autoritários.

Com isso, esta falsa impressão de expansão da opinião pública parece mais incentivar o desenvolvimento de personalidades autoritárias do que a democracia participativa, como defendem alguns teóricos da comunicação.

Por outro lado, a proliferação das políticas identitárias alimenta o debate sobre a individualização das relações sociais. Questões étnico-raciais e de gênero têm ganhado força na esquerda, disputando espaço com não tão antigas nem tão descartadas identidades nacionais e de classe. Nesta perspectiva, parte da teoria crítica vem questionando o quanto esta nova gramática das lutas sociais é de fato emancipadora ou apenas adentra na lógica mercantil.

​

O discurso sobre o multiculturalismo, empoderamento feminino e lugar de fala representa um avanço nos direitos humanos e na expansão da esfera pública com a participação ativa de novos agentes. Entretanto, observa-se que muitas vezes estes mesmos discursos são colonizados pela lógica mercantil, tornando-se mercadoria de uma indústria cultural ávida por novos públicos consumidores. Com isso, o discurso multicultural, uma vez apropriado pela Indústria Cultural, pode transmutar-se em ideologia classificatória orientando as subjetividades e minando a própria possibilidade de coesão entre identidades subalternizadas.

​

É neste contexto de crise e reprodução cultural, no conflito entre autonomia da criação e a tendência (muitas vezes mal percebida) de reprodução, que a relação entre Indústria Cultural e política podem ser inseridas diante do surgimento do Neofascismo. Na amplitude e diversidade dos temas encontra-se a necessidade das reflexões e discussões que este Congresso busca realizar e estimular.

bottom of page